O dia que “matei” uma cliente

 

Sapato do século VIII a.C.

 

Por User:Opodeldok - Museum Hallstatt, Austria, CC BY 2.5, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1777977

 

      Era sábado, dia de movimento e a loja estava cheia, clientes para todo lado. Em dias como este existem os momentos de calmaria onde ficávamos à espreita esperando laçar aquele que entrasse. Ficar na frente faria a diferença, mas tinham aqueles momentos em que acontecia o oposto, era um boom que fazia chover pessoas para todo lado. Astúcia e rapidez eram tudo e era possível colocar três no banco enquanto alguém poderia ficar sem nenhum.

      Naquele dia eu tinha uma que valia por três. O fator sorte também era importante porque tinha pessoas decididas a comprar, às vezes muito e ter uma ou duas dessa no banco puxava para cima as suas vendas e quem não queria vender mais e ser o “ponta” da loja?

      Porém aquela cliente era jogo duro. Extremamente insegura e complexada, não encontrava nada que se ajustasse aos seus pés. Confesso que sendo bonita poderia considerá-la a própria cinderela que perdeu seu sapatinho de cristal, não possuía qualidades aparentes, nem aquela que o poeta Vinícius de Moraes considerava fundamental. Mas isso é outra estória.

      O que choveu para mim foi trabalho, desci a loja para ela e foi difícil e penosa aquela escolha, ao final o chão ficou espalhado de “telefones” que teria de recolher depois, mais trabalho até ficar livre para buscar outro cliente.

      Quando passou pela porta e estava virando à esquerda, respirei aliviado, graaaaaaças a Deus, fiz sinal de arma, hoje na moda com outros intuitos, e descarreguei o pente imaginário. No exato momento que terminava a execução ela vira-se e volta para a loja. Congelei entre estupefato e incrédulo e açoitei-me pelo pecado de ter sido pego.

      Ela tinha ficado com sede e pediu um copo d’água, disfarcei, fingi demência, enrolei, agradeci mais uma vez e ela foi embora. Agora sim estava livre. Pelamordedeus esta mulher é meu carma. Fim do dia, comentários, piadas, fim de mais um dia.

      Tinha acabado? Ainda não. Na semana seguinte recebi uma ligação sua (sim, eu havia dado meu cartão. Burro, burro, burro!), ela primeiro fez um desabafo, estava triste porque eu a havia escorraçado da loja, o termo é dela mesmo, minha desculpas passaram longe de seu coração como os raios-x em um exame, mas tudo bem. Ela tinha um último pedido, iria mandar uma representante, por sentir vergonha e queria garantir que eu não executasse mais ninguém. Depois tudo correu bem. Depois disso nunca mais a vi e acredito que nunca mais entrou naquela loja, eu não entraria. Hoje pratico boas ações para não ficar muito tempo no purgatório.

 

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